quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ruined in a Day

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O vinil é colocado cuidadosamente na radiola. O autor, desconhecido. Desce-se a agulha lentamente e aquele som estalante logo dá lugar a uma voz, alguns chiados entrecortando-a. Com a capa um tanto velha nas mãos, confere-se as faixas.

Faixa 1 – Introdução: “Como fã de Ian Curtis, Joy Division e New Order, tentei não cair no exagero passional. Desisti da tentativa. Perdi também o controle. Então, deixei apenas que o coração rugisse enquanto ia gravando. Aí vai.”

Faixa 2 – Um Tempo (ou Mundo em Movimento): “Há bandas que são divisores de águas. Existe o antes e o depois delas. Beatles, Rolling Stones e Sex Pistols são alguns exemplos. Sem nem desconfiar, um jovem inglês de Macclesfield chamado Ian Curtis estava prestes a escrever mais um capítulo estrondoso do rock. Em pleno fim dos anos 70, com o punk já não tendo mais o mesmo impacto, Ian se juntou a três amigos e formou a Warsaw, posteriormente rebatizada como Joy Division. Precisa dizer mais alguma coisa?”

Faixa 3 – Para Beber (ou Triângulo Amoroso Bizarro): “Anton Corbjin achava que sim e concebeu Control (2007), contando de forma íntima a via crucis de Ian Curtis. Baseado no livro Touching From a Distance, de Deborah Curtis, viúva de Ian, acompanhamos a formação do embrião do Joy Division, sua relação com a esposa, o sucesso arrebatador, a descoberta e a convivência com a epilepsia, seu afundamento emocional e seu trágico fim com o suicídio. Diferentemente de 24 Hour Party People, de 2002, que foca na banda e na época, Control é Ian Curtis derramando-se sobre nós o tempo todo. Conhecemos o jovem organizado e viajado, que escrevia versos e tomava remédios para ficar doidão; O amor à primeira vista com Debbie, que culminou num casamento prematuro; O trabalho sem graça numa agência de empregos, onde demonstrava algum jogo de cintura; As noitadas nos típicos pubs com os amigos, onde inclusive fez seus primeiros shows; a difícil divisão entre a carreira, a família e a amante... Curtis está bem ali, sincero, esmiuçando cada detalhe para que tentemos entende-lo.”

Pausa. Passar para o lado B.


Faixa 4 – O Som da Música (ou Gire & Gire): “Claro que como cinebiografia de um ícone do rock, as músicas não podiam ficar de fora! Um arrepio percorre o corpo com Transmission, tão visceral e tão nova quanto de sua composição. Com She’s Lost Control e Love Will Tear Us Apart – talvez a mais conhecida do Joy Division – o casamento é cruamente dissecado, expondo um coração doente. E com Atmosphere, sua cremação vira um retrato melancólico e único.

Faixa 5 – Confissões (ou Fé Verdadeira): “Ian fala conosco especialmente através de suas cartas, onde expõe seus medos, seus conflitos, seu crescente desespero. É nesses monólogos que vemos o Ian humano, verdadeiro. Não que nos palcos ele não o fosse também: suas letras e seu jeito de cantar o entregavam. Mas em suas cartas, ele tem a oportunidade de ser apenas aquele jovem inglês saído de Macclesfield, que não estava preparado para ter uma família e nem lidar com o sucesso. Nos palcos, ele só podia ser Ian Curtis.”

Faixa 6 – Saber Fazer (ou O Beijo Perfeito): “Se já não bastasse a sinceridade e a humanidade com que Control é conduzido – que muito se deve ao livro, e à participação na produção, de Deborah Curtis – Anton Corbjin optou pelo preto e branco, intensificando a depressão e a tragédia de Ian e a atmosfera pesada e cinzenta das urbes inglesas. Corbjin, aliás, parece ter um fetiche pelo preto e branco, evidenciado em outros trabalhos como fotógrafo, diretor de videoclipes e designer gráfico. A clássica foto do Joshua Tree, um dos discos mais cultuados do U2, é dele, além de outras experiências com bandas como Depeche Mode, Nick Cave, Coldplay e The Killers. No entanto, não elogiarei o seu ritmo: em alguns momentos, Control parece se arrastar, chateia, cansa. Claro que para falar sobre Ian Curtis, é até bom que assim seja! Mas para um não-fã (o que não é o meu caso!), o filme pode ruir em desinteresse.”

Faixa 7 – Triste Despedida (ou Tocado pela Mão de Deus): “Ian Curtis morreu aos 23 anos de idade. Idade em que a maioria de nós começa a sair do sonho para construir o futuro. Ian superou o sonho muito mais cedo, e talvez por isso tenha perdido o seu controle. O Joy Division também se foi com ele. Peter Hook, Stephen Morris e Bernarnd Sumner, o que sobrou da banda, formaria mais tarde o New Order, com Sumner assumindo os vocais e a entrada de Gillian Glibert nos teclados. O New Order fez, e faz, sucesso, mas nada tão explosivo e memorável quanto o Joy Division. E Ian Curtis.”

Som abafado. O vinil acabou. Levanta-se a agulha, retira-se cuidadosamente o vinil. Ele é guardado em sua capa e a radiola é desligada. Lá fora, numa segunda-feira azul, tempo bom...

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Esse texto foi resultado de uma disciplina de Crítica de Cinema. Como não havia mais chance de publicação no Luzia (e principalmente depois que o blog está sendo usado para publicar textos de uma disciplina deste período - Cinema Britânico -, o que inviabiliza publicação de trabalhos anteriores de disciplinas diferentes), publico aqui o único texto que ainda não havia sido lançado. Para ver meu outros textos no Luzia, clique aqui.